Francisco Guilherme de Souza (1910-2002)
Francisco Guilherme de Souza nasceu em 19 de outubro de 1910,
filho primogênito de pobres agricultores, Ricardo Guilherme de Lima e Maria
Francisca de Souza; logo cedo, aos 12 anos, começou sua labuta, como carregador
de água. Posteriormente, aos 16 anos, passa a integrar a grande massa trabalhadora
das salinas; trabalho que naquela região representava o único caminho a seguir.
Iniciava-se, para Chico Guilherme, como tão carinhosamente era conhecido, um
mundo de afazeres extremamente insalubre e desigual, com grandes dificuldades,
sem direitos trabalhistas, mal-tratados, mal-alimentados;
Para se chegar às salinas era preciso percorrer 18 Km a pé.
Os salineiros não utilizavam nenhum equipamento de proteção, e para evitar a
cegueira, consequente da intensa luminosidade, causada pelo reflexo do sol nos
montes brancos de sal, a colheita do sal começa pela madrugada. Com o decorrer
do tempo muitos trabalhadores ficavam cegos.
As pranchas por onde trafegavam com o sal, eram
escorregadias, provocando muitas vezes quedas. E não havia assistência médica.
Durante a noite, alojavam-se em grandes galpões abertos nas laterais. A
alimentação era comprada no armazém do dono da salina, e no final do mês
restava um mísero salário. Os balaios, no qual transportavam o sal, provocavam
calos nos ombros e furúnculos (que eles chamavam de “maxixes”), causados pelas
impurezas do sal.
Há um fato que Chico Guilherme descreve, que permaneceu em
sua memória como símbolo da indignação no qual vivia. Haviam os feitores,
homens de confiança do patrão, que vigiavam aqueles que trabalhavam
incansavelmente, estes feitores costumavam dizer que tinham nojo que seus
cavalos bebessem água no mesmo tonel que os operários. Esta é uma pequena
amostra do trabalho insalubre e humilhante dos trabalhadores das salinas
naquele momento.
Abro um parêntese, a fim de relatar a aproximação entre os
trabalhadores citados e o Partido Comunista do Brasil. Na cidade de Mossoró, o
Partido Comunista foi fundado em 1928, pelos irmãos Reginaldo (Raimundo, Lauro,
Jonas e Manoel). Anteriormente, em 1910, foi criada a Liga Operária, uma
associação que defendia a classe trabalhadora.
Após a organização e a fundação do Partido, começa-se a
aglutinar operários, tendo como atuação prioritária a formação dos sindicatos.
E, foi assim, que em 1931, Chico Guilherme entra no Partido Comunista, fato que
marcou toda sua trajetória de vida, de luta por um ideal. Neste mesmo ano é
criada a Associação dos Trabalhadores na Extração do Sal, a qual Chico
Guilherme faria parte em 1932.
Junto a outros sindicalistas, passa a reivindicar seus
direitos; num primeiro momento, de caráter econômico e de melhores condições de
trabalho, posteriormente, a liberdade de companheiros, que vítimas da
repressão, eram presos.
Nas décadas de 30 e 40 o Estado Novo, o Governo Vargas, tinha
uma só linguagem, a do autoritarismo e da repressão. E em Mossoró, política
local era conduzida da mesma forma. Surge, portanto, o Sindicato do Garrancho,
onde homens, membros da Associação dos Trabalhadores da Extração do Sal, se
reuniam sob árvores nos arredores de Mossoró e lá traçavam estratégias para as
próximas lutas. O Sindicato do Garrancho foi a maior prova de obstinação,
coragem e persistência de homens que lutavam pela garantia de seus direitos.
A partir de então, as perseguições aumentaram cada vez mais,
e alguns sindicalistas não podiam ao menos se dirigir a cidade que logo eram
presos. Surge então a Guerrilha, a Luta Armada, como alternativa de
sobrevivência; Um grupo de 50 homens que tinha como líder Manoel Torquato.
Denominados, pelos “donos do poder”, de Bandoleiros Vermelhos. Estes percorriam
aquela região, esperando por um grande movimento que estaria por vir, e só
então poderiam retornar aos seus lares.
Enfim, aconteceu o momento esperado, o Levante Comunista deflagrado
em Natal a 23 de novembro de 1935, prenunciava um novo tempo, tempo em que o
povo chegaria ao poder. Mas, por algumas circunstâncias, entre as quais a
resposta insatisfatória da senha, provocou a não consolidação do levante na
cidade de Mossoró. Existia, ali, um campo fértil; os sindicatos, a guerrilha,
os simpatizantes, que esperavam apenas um sinal, mas que veio de outra forma.
E assim, iniciava-se uma das maiores perseguições e
atrocidades a homens que lutavam por um ideal. Chico Guilherme e outros
companheiros foram deportados para Ilha Grande, na Colônia Correcional Dois
Rios, no Rio de Janeiro. Chico Guilherme permaneceu nesta prisão por seis
meses. Foi julgado pelo Tribunal de Segurança Nacional e condenado a 02 anos de
prisão com trabalhos forçados, em Mossoró.
Abro um segundo parêntese para falar de Francisca Clara de
Souza, companheira de Chico Guilherme, mulher batalhadora, forte, mãe leoa,
atuante. Com Chico Guilherme teve 16 filhos, nos quais 08 não sobreviveram às
precárias condições que viviam. Francisca Clara e outras mulheres como
Policárpia e Anita (companheira de Joel Paulista), fundaram a Associação das
Mulheres Trabalhadoras de Mossoró, tendo importante papel nas articulações,
principalmente nos períodos de greves, e em defesa de seus direitos.
Naquele período o Sindicato foi totalmente esfacelado e Chico
Guilherme ao retornar a liberdade percorreu as salinas onde encontrou um quadro
de lamentações e injustiças. Unindo-se a Joel Paulista, Manoel Moreira e João
Crisóstomo, reestruturaram o Sindicato, já que durante o período que estavam
presos, os operários se reuniam sob a proteção do Bispo Dom Jaime, o qual os
políticos locais tinham respeito.
Convocaram então um representante do Ministério do Trabalho,
que oficializaria o sindicato, tirando-o da clandestinidade; atendendo ao
chamado e percebendo a grande liderança que Chico Guilherme tinha perante os
trabalhadores, sugeriu que este repudiasse o Partido Comunista e se tornasse
presidente do Sindicato. Chico Guilherme recusou veementemente retornando ao
mesmo somente após sua Anistia Política e a liberação do Atestado de Ideologia,
em 1946; presidindo-o por 02 anos e permanecendo na sua Diretoria até 1952.
Neste ínterim, exerceu um cargo eletivo de vereador, por dois
mandatos consecutivos. Eleito na primeira vez pelo Partido Republicano, que
apoiava Cristiano Machado, e durante o segundo mandato fazia parte de uma
coligação de vários partidos pela Aliança Democrática, tendo como líderes Vingt
Rosado e Dix-uit Rosado. A sua preocupação era com os trabalhadores das
salinas, pois elaborou vários projetos onde procurava minimizar o sofrimento
daqueles que conhecia tão bem. Dentre estes projetos destacam-se a construção
de uma estrada carroçável entre as cidades de Mossoró e Grossos, margeando as
salinas, para facilitar o transporte dos trabalhadores durante o inverno, esta
beneficiou a população das localidades de Ema, Tabuleiro Alto, Jurema, Baixa
Grande e Carro Quebrado, além da própria cidade de Grossos. Também durante seu
pleito, batalhou pela instalação de linhas telefônicas para as cidades de
Grossos e Areia Branca; Escolas primárias nas localidades de Suçuarana,
Piquiri, Amaro, Passagem de Pedras, Barrinha, Alagoinha, Jurema, Lajedo e Pau
D’arco.
Não mais voltou a trabalhar nas salinas, passando a ser
motorista de um misto (veículo metade ônibus e metade caminhão), que trafegava
entre as cidades de Mossoró e Areia Branca; exercendo depois a profissão de
taxista até 1983, ao aposentar-se.
Dentre algumas homenagem e títulos que recebeu durante sua
vida, destacam-se: Mérito Proletário, concedido pelo Partido Comunista
Brasileiro, em 21 de abril de 1988, na cidade de Mossoró; Diploma em homenagem
a Defesa do Monopólio Estatal do Petróleo, pelo Sindicato dos Petroleiros – RN,
em 14 de fevereiro de 1995, na cidade supra citada.
A Universidade Estadual do Rio Grande do Norte concedeu-lhe o
título de Doutor Honoris Causa, em 19 de Outubro de 2000, data que completava
90 anos. Doutor da vida. Doutor do povo, doutor dos oprimidos, daqueles que
buscam um mundo isento de desemprego, subemprego, de preconceitos, de crianças
morrendo de desnutrição, abandono; que anseiam um mundo de solidariedade,
justiça, de verdadeiras políticas públicas, um mundo de homens cidadãos.
Também foi Homenageado Pela Câmara Municipal de Natal, a 23
de novembro de 2001, numa sessão especial em homenagem aos remanescentes da
Insurreição Comunista de 1935, juntamente com Francisco Meneleu dos Santos,
Glicério Sátiro de Lucena (in memoriam). A 10 de dezembro de 2001 recebeu o
VIII Prêmio de Direitos Humanos Emanoel Bezerra dos Santos, no Solar Bela
Vista, na cidade de Natal.
Diversos livros e obras descrevem sua luta e a de seus
companheiros: Sindicato do Garrancho, da Dra. Brasília Ferreira; Sindicato do
Garrancho, Um Ideal Nunca Morre, de sua neta, enfermeira, bacharel em história,
Meine Siomara Alcântara; A Ópera do Garrancho, dos mossoroenses Crispiniano
Neto e Aécio Cândido; entre outros.
Chico Guilherme nos deixa um legado de lutas, de coerência política
e dignidade humana; um homem que em toda sua vida buscou melhorias para o povo
mossoroense; foi um agente ativo de nossa história, deu-nos força para
acreditar num sonho de liberdade e de um mundo melhor.
Chico Guilherme, faleceu em 2002
FONTE -.dhnet.org.br/memoria